terça-feira, 13 de outubro de 2015

10 coisas que as bissexuais gostariam que as lésbicas soubessem


Este artigo sobre o Dia da Visibilidade Bissexual quase fez com que eu fosse despedida.
25 de setembro de 2015, por Goblin

Uma das razões pelas quais tenho andado meio desaparecida é o facto de recentemente me ter tornado colunista na SheWired, um site queer para mulheres, sediado em Los Angeles. A maior parte do conteúdo era bastante interessante e eu até gostava do trabalho apesar do formato clickbait do site, mas eventualmente tive alguns desentendimentos por causa dos pronomes de género neutros (eu gosto de os usar, o site não) e depois por causa deste artigo que escrevi para o Dia da Visibilidade. Na SheWired foram geralmente agradáveis para comigo mesmo apesar das nossas divergências ideológicas, por isso peço-vos: nada de justiceiros ok? E em seguida fica o tal artigo que foi a gota de água.

*10 coisas que as bissexuais gostariam que as lésbicas soubessem*

Honrando a semana da visibilidade BI aqui ficam algumas coisas que esta bi adorava que as lésbicas soubessem acerca do que é ser-se bissexual e sentir-se atraída por mulheres. Poderíamos provavelmente condensar tudo o que se segue em "Nós existimos! Não estamos a fingir a nossa atração por ti! Por favor tratem-nos com simpatia!" mas isso não seria nem de perto nem de longe suficiente...


·         A Invisibilidade BI é uma porra;

Não é nada divertido ter que justificar, explicar ou falsear a nossa sexualidade, mesmo em espaços queer. Não, eu não "costumava ser gay", nem hetero, eu sou bi e se a minha companheira é mulher eu continuo a ser bi (ou #aindabi, como se diria pela net) e quando saio com um homem, continuo a ser bi. Em ambas as situações eu tenho que lutar pela validação e reconhecimento da minha sexualidade e enfrentar dificuldades de reconhecimento e aceitação semelhantes àquelas que a comunidade queer tem vindo a enfrentar há já décadas. Corrigir os pressupostos das pessoas - primeiro, que ou és gay ou hetero, e depois, que não te pareces encaixar nos estereótipos negativos que elas fazem acerca das bissexuais - é emocionalmente desgastante e muito stressante. Todo este apagamento e questionamento da nossa identidade pode resultar até na degradação da nossa saúde mental (ver ponto 10).

·         Nós não precisamos de estar simultaneamente com um homem e uma mulher;

Ser bi não significa que tenhamos que nos relacionar com todos os géneros para estarmos satisfeitas (mas se fores poly e toda a gente consentir, por favor está à vontade!). Ser bi significa apenas que somos atraídas por todos os géneros - homens, mulheres e pessoas não binárias também, é por isso que há muitas pessoas bi que dizem que se "apaixonam por pessoas e não por géneros". Se estamos numa relação monógama e somos bi isso não quer dizer que vamos correr atrás de outra pessoa qualquer só porque ela é de outro género, -  se somos monógamas e estamos apaixonadas somos monógamas e estamos apaixonadas e a nossa bissexualidade tem tudo a ver com isso. Por falar nisso...

·         Não, não te vamos "deixar por um homem";

Se a relação não estiver a funcionar é claro que podemos acabar, mas não, não estamos contigo só porque ainda não apareceu um homem nas nossas vidas. Mesmo, mesmo, mesmo! Estatisticamente falando, existem muitos mais homens interessados em relacionar-se com mulheres do que mulheres interessadas em relacionar-se com mulheres, e dada a frequente hostilidade da comunidade lésbica para connosco até não seria surpreendente que nos quiséssemos relacionar com um homem depois de termos terminado uma relação com uma lésbica. Mas isto não invalida em nada a nossa atração real e genuína por mulheres. No meu círculo queer de relacionamentos, uma parte significativa das relações duradouras entre mulheres ocorrem entre mulheres bi e eu adorava poder dizer que isso não tem a ver com o facto das mulheres lésbicas nos tratarem como lixo ou invalidarem a nossa atração por mulheres, mas não posso. De igual modo, também me parece que existe muita confusão e misoginia internalizada em alguém que diz que as mulheres bi preferem estar com homens ou que terminam relações com mulheres quando um homem aparece. Sim, existem menos barreiras culturais a impedir a relação de mulheres bi com homens mas a comunidade lésbica ela própria impõe bastantes barreiras ao relacionamento com mulheres bi e isso apenas torna tudo pior para toda a gente. Nós estamos aqui! Cheiramos bem! Achamo-vos atraentes! Por favor acreditem em nós!

·         Temos que levar com insultos quer de homoxs quer de heterxs;

A sério, de um lado ouvimos muitas mulheres que se identificam como lésbicas e que nos maltratam, desrespeitam, se recusam a levar-nos a sério e quase nos pedem "credenciais queer", e do outro lado temos heterxs que ignoram, negam e gozam com a nossa sexualidade, ou então, que tentam levar-nos para a cama para os seus parceiros assistirem. Infelizmente a bifobia existe também nos espaços queer – enquanto estava a trabalhar na SheWired foi frequente pedirem-me para mentir sobre o género dos meus parceiros, para usar pronomes femininos mesmo quando me referia a pessoas genderqueer e para ignorar a minha identidade bissexual. Nos espaços hetero, as pessoas pensam que eu sou uma "freak", "puta" ou indigna de consideração cada vez que menciono ex-parceiras. Todas as pessoas assumem que me relaciono com um homem e o número de vezes que me perguntaram se eu sou uma "ex-lésbica" é astronómico, não tem piada nenhuma. Parece que as mulheres bi não pertencem a lado nenhum se não com outras mulheres bi ou em espaços bi-friendly, que até são bastante difíceis de encontrar, e daí também o isolamento que sofremos. E, claro, isto é tudo ainda pior se fores bi e trans. Eu por acaso estou inserida numa comunidade queer que até é bastante aberta e acolhedora das identidades trans, fluídas e bissexuais e tudo o mais, mas a maior parte das pessoas não têm esta sorte e isto pode trazer consequências graves. O sentimento permanente de rejeição e marginalização a que somos sujeitas afectam a nossa saúde mental e bem estar.

·         Não somos todas promiscuas;

É claro que algumas de nós são e não há problema nenhum nisso desde que as relações sejam consensuais, responsáveis e seguras, mas existem também muitas mulheres bi que são exclusivamente monógamas e não é justo que nos insultem constantemente e nos dirijam slut shaming, sobretudo por parte de mulheres lésbicas. A bissexualidade e a promiscuidade são aspectos de vida COMPLETAMENTE SEPARADOS, não é porque partilhamos de um que automaticamente comungamos do outro.

 
·         Quando vocês marcham nós também estamos lá – lado a lado - pelos direitos de toda a gente;

As mulheres bi sempre participaram nos protestos e reivindicações, já desde Stonewall (e até muito antes), batalhando por direitos e reconhecimento. Actualmente continuamos a lutar, e também pelas mesmas razões que vocês - para resistir à discriminação, para sermos tratados com respeito ao invés de sermos objetificadas por esta sociedade machista e patriarcal, para que as nossas relações e parceirxs sejam consideradxs de forma igual, para educar as pessoas acerca dos relacionamentos queer, para resistir à intromissão da religião e dos preconceitos culturais e finalmente para obter reconhecimento, validação e aceitação. Nós estamos todas do mesmo lado e é doloroso e profundamente alienante saber que existem tantas pessoas monossexuais a desconsiderarem-nos deste modo.

·         Aturamos as mesmas porcarias que vocês;

Nós também temos que aturar muita da porcaria que as lésbicas aturam. As nossas relações e vida sexual são constantemente objetificadas e definidas em função da excitação que possam provocar nos homens hetero, e a nossa sexualidade é frequentemente encarada como uma "fase" ou escolha de vida inválida. Somos vistas como freaks, esquisitóides ou provocadoras que só querem atenção, neste mundozinho heteronormativo, pelo que somos abordadas frequentemente por pessoas de todos os géneros que só nos querem foder ou fazer arranjinhos com os seus parceiros.

·         Não, não nos estamos a fazer passar por heteros;

Uma das coisas que nos atiram repetidamente à cara é que quando estamos com um homem estamos a fazer-nos passar por hetero e assim comungamos do privilégio heterossexual. Infelizmente isto é uma grande treta: primeiro, fazermo-nos passar por hetero quando de facto não somos hetero equivale a termos a nossa identidade sexual constantemente policiada, atacada, ignorada e invalidada; segundo, nós não temos privilégio hetero porque (uma vez mais) se não somos hetero não o podemos ter! Ter privilégio hetero implica vivermos num mundo que reconheça e valide a nossa sexualidade e experiências sexuais, em que correspondemos às expectativas sociais e elas não são contrariadas. Ora isto é completamente o contrário daquilo que se passa quando nos assumimos como bi - a nossa identidade é continuamente invalidada e somos constantemente chamadas a justificar a nossa orientação (frequentemente com hostilidades por parte quer de heteros quer de lésbicas e gays, ver acima). As representações culturais da bissexualidade são mínimas, muitas vezes desrespeitosas e fortemente sexualizadas. Como pessoa bi que namora com outra pessoa bi, a minha identidade, e a da minha parceira, é apagada e há uma série de projeções problemáticas a serem feitas sobre nós por parte das pessoas em geral. 

·         Estamos muito mais vulneráveis à violência e ao abuso;

É mesmo deprimente, mas tal como este relatório do Advocate refere, existe uma probabilidade 3 vezes superior das mulheres bissexuais serem violadas quando comparando com as mulheres lésbicas. A incidência de agressões sexuais, violência doméstica e perseguição também é maior se comparada quer com a de mulheres lésbicas quer com a de mulheres heterossexuais. Mas isto não é tudo – não só sofremos um risco maior de abusos e violência como o nosso suporte social é muito menor e os índices de depressão e stress pós-traumático,  em consequência de violações, são mais elevados.  Temos também das experiências mais negativas com os prestadores de cuidados de saúde e com a polícia quando procuramos ajuda, ou seja, enfrentamos hostilidades mesmo quando nos encontramos no processo de recuperar de um trauma. E, claro, tudo isto é ainda pior no caso das pessoas simultaneamente bissexuais e trans, negras ou deficientes, ou qualquer outro grupo marginalizado que acumule opressões.  

·         Temos maior incidência de depressão e de problemas relacionados com a saúde mental;

Existe uma probabilidade maior das mulheres bissexuais sofrerem de depressão, ansiedade, auto-mutilação e ideação suicida quando comparadas com outras mulheres. Segundo o Relatório sobre Bissexualidade (2012), as mulheres bissexuais têm uma probabilidade 5.9 vezes maior de sofrerem tendências suicidas quando comparadas com as suas congéneres heterossexuais. Também a incidência de outros problemas de saúde mental é maior entre pessoas bis do que entre lésbicas, gays, ou pessoas heterossexuais: por exemplo, num estudo que envolveu participantes numa conferência sobre bissexualidade, 36% dos participantes bissexuais referiram ter um ou mais problemas de saúde física e mental com prejuízo da sua qualidade de vida quotidiana, enquanto que aproximadamente 1/4 dos participantes referiu ter sido diagnosticado profissionalmente com um problema de saúde mental como a depressão (16%), ansiedade (8%) e auto-mutilação (8%).
Caso ainda não seja evidente, vocês podem ajudar a melhorar esta situação. Sejam simpáticxs connosco, aceitem-nos, parem de fazer piadas acerca da nossa “putice” ou de agir como se os pénis fossem contagiosos - e por favor tenham em consideração as mulheres trans que se identificam como lésbicas, já que dizer-lhes uma coisa dessas é realmente repulsivo.
A hostilidade e apagamento que as mulheres bissexuais enfrentam na comunidade queer e no mainstream hetero contribuem para a vulnerabilidade face aos abusos e violência e para a ocorrência substancial de experiências de depressão, ansiedade e ideação suicida. Portanto um pouco mais de consideração pelas mulheres bi poderia mudar verdadeiramente este mundo para um lugar muito melhor.

n.b. Gostaria de agradecer a Maddie Lynn pela ajuda com este artigo e também a  Jo, Jen, Sam, Andromeda, Catherine, Psyche, Catriona, Stacy, Shreena and Eve.

Traduzido por birrita. O artigo original em: a can opener in a worm factory.

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